Adeus, Angelopoulos

fevereiro 13, 2012

Adeus, Angelopoulos

 

         Mestre Theo Angelopoulos partiu. Morreu atropelado em Atenas, aos 76 anos. Mas estará sempre entre nós. Excepcional Angelopoulos. Grande entre os grandes. Um dos maiores da história do cinema mundial. Da estirpe genial de Bergman, Antonioni, Tarkovski. O cineasta grego, o último dos grandes humanistas em atividade junto com o mestre português Manoel de Oliveira, foi embora de modo um tanto absurdo e sua morte parece inserir-se no âmbito da busca de compreensão do caótico mundo contemporâneo. O legado humanista de sua obra permanecerá. Angelopoulos, como o centenário Manoel de Oliveira, era a encarnação da cultura ocidental. E não só pelo fato de ter sua Grécia natal direta ou indiretamente como pano de fundo de seus filmes, mas porque a sua obra, impregnada de humanismo pré-neoliberal, reflete a angústia, o desencanto, a busca intensa, dramática, do já clássico homem moderno, cuja perplexidade diante do que ele próprio erigiu se tornou a marca indelével de nossa época.

Angelopoulos foi premiado nos grandes festivais (Veneza, Cannes, Berlim) do mundo e aclamado pela crítica de modo geral. Embora os afetados e modernosos críticos dos Cahiers du Cinéma não lhe reconhecessem sua grandeza. Grandeza que ficará para sempre, como ficaram os antigos mitos da Grécia, o país culturalmente mais importante e influente da civilização ocidental. O berço do Ocidente. No século 20 e começo do 21, o autor dos notáveis Os Atores Ambulantes, O Apicultor O Passo Suspenso da Cegonha deu um testemunho marcante da cultura helênica e, por extensão, universal. Cineasta dos imigrantes, das fronteiras, das paisagens nevadas ou brumosas, dos longos planos-sequência, do tempo esculpido (como fazia Tarkovski), do silêncio eloquente, da nostalgia atávica, ele ofusca, com sua intensidade e profundidade de pensamento, muitos cineastas que a crítica e a mídia consagraram apressadamente. Poderia citar muitos exemplos. Ocorre-me o de Spielberg (que Godard detesta) e o de Tarantino. Mesmo Truffaut (que tem filmes fraquíssimos), queridinho supervalorizado da revista Cahiers du Cinéma da qual foi crítico, endeusado pela crítica, se apaga totalmente perante a magnitude de Angelopoulos, o pensador da imagem, da memória, do tempo, da História. Talvez ele não fosse muito do gosto popular (nem poderia ser numa época de vulgar consumo light) já que a sua narrativa (plano-sequência e lento deslizar da câmera) o colocava na contramão do estúpido corta-corta da linguagem irritante de videoclipe que impera na produção cinematográfica atual e que parece coisa de retardado mental.

De seus 13 esplêndidos longas-metragens de ficção realizados, só três foram exibidos comercialmente no Brasil. Uma pena, se pensarmos no lixo hollywoodiano que nos impingem os distribuidores. Mas basta lembrar essas três obras-primas para aquilatar a dimensão superior de Paisagem na Neblina, Um Olhar a Cada Dia e A Eternidade e um Dia.

Morreste, Angelopoulos? Não. Apenas partiste. Para, talvez, compreender o sentido da eternidade.  A eternidade que te espera. Kalimera, meu caro grande Theo.

27-01-2012

 

R.Roldan-Roldan é escritor

www.davidhaize.wordpress.com

Publicado pelo jornal Correio Popular de Campinas dia 7 de fevereiro de 2012