Mestre Omar Khayyam

             São comuns ensaios e palestras sobre Shakespeare, Cervantes, Kafka, Proust, Joyce, Dostoievski ou Borges, entre tantos outros grandes escritores. Pouco se fala, porém, de Omar Khayyam. Ghiyathuddin Abulfath Omar Ben Ibrahim Al-khayyammi, mais conhecido como Omar  Khayyam (o nome Khayyam significa fabricante de tendas, o que viria do pai ou do avô) nasceu em 1040 em Nishapur, capital da província de Khorossan, perto do Afeganistão, na antiga Pérsia, hoje Irã. Morreu na mesma cidade em 1125. Essas datas variam de acordo com os biógrafos.

            Khayyam tinha paixão pelas ciências exatas. Foi geômetra, matemático, físico, médico, astrônomo, filósofo e… poeta – mas não foi um poeta profissional. Reformou o calendário persa e, aos 27 anos, foi nomeado pelo sultão administrador do observatório de Merv. Com 30 anos era celebrado como um sábio incomparável. Deixou várias obras sobre álgebra, astronomia e dois tratados de metafísica. Porem, é a poesia que o tornou imortal. Ou seja, seus rubaiyat (do singular rubai, do árabe arba-a, quatro) ou quadras.

            Na Pérsia do século XI, o rubai era considerado vulgar, ou seja, popular. O único valor que lhe era reconhecido era o de ser espontâneo, o de ser o impulso do momento. As quadras de Khayyam, além de extremamente inteligentes e instigantes, são feitas de trocadilhos, de jogos de palavras, de aliterações e se baseiam nas sutilezas da língua persa (ou farsi) e isto, claro, se perde na tradução. O que não se perde é seu sentido profundo, existencialista (naquela época!) e mesmo metafísico. Nestas quadras, ou rubaiyat, encontramos o rigor, o espírito universal e a unidade de pensamento do filósofo. Khayyam nos fala de modo direto da impermanência, da finitude, do efêmero da existência, da vaidade do ser humano, da urgência do instante a ser vivido. Niilista, materialista, hedonista, agnóstico, rebelde, coerente, irreverente, irredutível, Khayyam despreza as convenções, a hipocrisia, a mentira. Recusa as honrarias. Não faz concessões. Blasfema. E com sua visão lúcida, desmistificadora, implacável, se antecipa sete séculos ao existencialismo cristão de Kierkegaard e de Unamuno e oito ao existencialismo ateu de Sartre. Portanto, como todo aquele que é realmente grande, está além do seu tempo.

            Discípulo de seu conterrâneo, o médico e filósofo Ibn Sirã (Avicena), Khayyam tem uma herança cultural helênica (estudou Euclides, Platão e Epícuro) e zoroastrista – embora ele fosse maometano. Em sua época, ele foi muito criticado como poeta, ou seja, pelas idéias expostas em sua poesia, apesar de muito respeitado como cientista. Para não ser condenado por heresia, fez o hadj, viagem como peregrino à Meca, uma única vez. Tudo indica que viajou para salvaguardar as aparências. Khayyam era demasiado inteligente para se encaixar nas limitações intelectuais da religião.

            Durante séculos, Khayyam afundou no silêncio do esquecimento em seu país. No Ocidente era totalmente desconhecido até meados do século XIX. A primeira tradução ocidental, para o inglês, é de Edward Fitzgerald e data de 1859. Mas embora Fitzgerald seja um precursor, um pioneiro, a sua tradução é afetada e tudo aquilo que pudesse atentar ao bom gosto (duvidoso) britânico foi maquiado hipocritamente ou alterado sem escrúpulos. Imaginem uma tradução irritantemente floreada levando a Idade Média persa (hedonista pela graça de Khayyam) à Inglaterra vitoriana. Assim, o frescor, a franqueza, o hedonismo, a impertinência a irreverência de Khayyam foram vulgarmente edulcorados, pasteurizados ou simplesmente eliminados em nome, como disse acima, do bom tom ridículo da época. Alguns estudiosos acham a tradução de Fitzgerald inadmissível e a vêem como uma atitude mental colonialista britânica em relação à literatura oriental. A segunda tradução ocidental, desta vez em francês, é de J.B. Nicolas, de 1867, ou seja, oito anos depois da primeira, e é bem melhor, quer dizer, menos adulterada. As traduções modernas são mais fieis ao texto original.

            Considera-se que existem em torno de 175 rubaiyat autênticos. E mais de mil falsos – alguns tão belos quanto os verdadeiros – de discípulos e imitadores. Chegou-se a essa conclusão depois de muitos estudos e pesquisas durante o século XX.

            Khayyam chegou até os nossos dias porque é atual. É um pensador moderno, com a consciência crítica de sua época, com a coragem e lucidez que todo intelectual que se preze deve ter.

22-12-2013

R.Roldan-Roldan é escritor

www.davidhaize.wordpress.com

Publicado pelo jornal Correio Popular de Campinas/SP em 7 de janeiro de 2014

 

         

                 

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