A Tirania da Economia ou a Economia Selvagem

 

Não se pode controlar o próprio povo pela força, mas se pode distraí-lo com consumismo.

Noam Chomsky

All struggle, all resistance is – must be – concrete. And all struggle has a global resonance. If not here, then there. If not now, then soon .Elsewhere as well as here.

Susan Sontag    

“Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.”

Nietzsche

 

 

        Um país avança com uma economia sadia. Óbvio. Mas tornar a economia um totalitarismo, subordinar os direitos humanos à tirania da economia, é outra coisa – todo excesso é condenável. Calma, leitor, calma. Não banque o apressadinho, tipo interneteiro, que apenas pelo título já deduz o conteúdo do texto. Quanto ao artigo em si, dispenso a imbecilidade dos rótulos, puro reducionismo. Etiquetas carimbadas pela cretinice, pré-fabricadas, de epítetos como comunista, petista ou sonhador nostálgico de Maio de 68. Etiquetas periféricas um tanto datadas. Usemos o clichê: ouça (você ouve?) e pense (você pensa?) antes de rebater. E, principalmente, informe-se e consulte estatísticas – e não só as que lhe interessam. E leia um pouco de história, sociologia e antropologia, se o Facebook lhe deixar um pouco de tempo e de raciocínio.

O Brasil, economicamente falando (só economicamente, pois politicamente anda uma lástima e socialmente um desastre), está reagindo. Os economistas, embora prudentes, estão otimistas. Ou quase. Sim, o País está reagindo positivamente. Está tudo bem. Ou quase. Que ingenuidade! Ou melhor, que perversão! Pois o Brasil fede como fedia a Dinamarca de Shakespeare. Como pode o Brasil estar bem com a pior desigualdade social da América Latina? Como pode o Brasil estar bem com a violência – de pais em guerra, decorrente da desigualdade social – que o coloca entre as nações mais violentas do mundo? Como pode o Brasil estar bem com o ensino numa posição no ranking mundial que o classifica atrás de países africanos? Como pode o Brasil estar bem com uma classificação lamentável no IDH mundial? Como pode o Brasil estar bem com 52 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza? Como pode o Brasil estar bem com 40% da população sem saneamento básico? Como pode o Brasil estar bem se ainda não erradicou as doenças tropicais? Como pode o Brasil estar bem com a corrupção em todos os níveis? Com a impunidade? Com o nepotismo? Com uma política flácida exceto para roubar descarada e impunemente? Com o salário dos parlamentares e dos juízes, uma afronta, um insulto, uma desfaçatez, uma imoralidade, um roubo legalizado? Será que esses carinhas não têm vergonha na cara? Será que esses sujeitos não têm consciência? Que indecência! Ah, dirão esses fulaninhos, mas está tudo dentro da lei – fora a roubalheira, claro. Que lei? Que farsa de lei? A escravidão nas Américas também era lei; o genocídio de judeus na Alemanha nazista também era lei; o apartheid na África do Sul também era lei; a segregação racial nos Estados Unidos também era lei. Não me venham falar de lei que isso não significa nada. Determinadas leis, sempre ditadas por aqueles que detêm o poder e para favorecer aqueles que detêm o poder, devem ser sistematicamente burladas, atacadas, até serem erradicadas. Como respeitar leis implantadas por uma corja de aves de rapina carnavalescamente disfarçadas de cidadãos honestos? Cidadãos de estirpe (de ladrões) cujos discursos edificantes causam náusea? E assim vai. E chamam esse sistema de democracia. Uma alucinada democracia dopada sacudindo os quadris ao som do samba? Como pode um país tão rico ser tão miserável em termos sociais? E o pior é que nada muda. Fundamentalmente, nada. Mas, se a economia está reagindo, tudo bem.

Como qualificar uma visão limitada, ou tendenciosa, ou cega, do bem-estar da Nação? Como qualificar essa voracidade? Essa cobiça? Esse cinismo? Essa perversão? Essa falta total de ética? De altruísmo? De generosidade? De humanismo? De amor ao próximo? Mas, senhor Roldan-Roldan (ou David Haize para os íntimos), o senhor falou em ética, altruísmo, generosidade, humanismo, amor ao próximo? O senhor está sonhando?… Isso são coisas de poeta démodé. A economia é tudo. E como é tudo, a economia selvagem apagou o termo ética do dicionário. A economia vende a mãe, a mulher e a filha se for necessário. Bajula e mata se for necessário. Os escrúpulos foram eliminados – são reminiscências quixotescas. Acorda, meu caro fucking old fashioned man! Sim, a economia é tudo. A economia é uma força totalitária que não admite contestação. E que permite tudo em nome do lucro. O bem-estar social não conta. Nem a educação. Nem a saúde. A cultura então nem se fala, pois a cultura não dá lucro. Para que serve a cultura no mundo de hoje? O economista (o mesmo que era contra a abolição da escravatura porque isso iria quebrar a economia do País), de uma arrogância e ignorância estúpidas, está na moda no miserável, famigerado, estagnado mundo neoliberal. O economista, inteligência non plus ultra, que se acredita o dono da verdade, que acha o neoliberalismo eterno, tem, evidentemente, todo o apoio de quem detém o poder, ou seja, dos donos do dinheiro. Desse dinheiro protegido pelo neoliberalismo do economista. Alguém pode alegar, mas, meu amigo, você se esquece de que um país com uma economia forte implica na melhora do nível aquisitivo da população. Sim, de fato, algo sobra para a população elevar o nível de consumo e ficar ainda mais alienada, já que o consumo é fascista e tem por objetivo bitolar e manipular ainda mais a massa – e quem assim não o vê é ignorante ou perverso. Sem contar que a gloriosa economia do neoliberalismo não erradicou a fome do mundo, como provam as estatísticas.  Em outras palavras, o lema do neoliberalismo é: consuma, coma e defeque e permaneça ignorante, logo, alienado. Em suma, a massa tratada como frango de granja “hormonado”.

É deplorável. Mesmo porque o problema do Brasil não é exatamente o governo (ou os governos que se sucedem sem mudar nada substancialmente) ou os partidos. O problema endêmico é um sistema que se alastra desse a colonização. Mesma corrupção. Mesma desigualdade social.  Mesma discriminação social. Mesma impunidade. Mesmos aberrantes, inconcebíveis, intolerantes privilégios – a Revolução Francesa de 1789 ainda não chegou ao Brasil – de uma determinada classe social – que, obviamente, inclui parlamentares e magistrados e instituições religiosas.

Não, não me esqueci de dar uma amável pincelada sobre a farsa da reforma da previdência, que, como tudo neste país cujo Deus era brasileiro (ao que tudo indica não o é mais), não elimina nenhuma das polpudas regalias de políticos, senadores, deputados e juízes. O suprassumo do absurdo. Absolutamente kafkiano.

Leitor, você está, provavelmente, esperando que eu não feche o artigo sem sugerir uma solução. O que fazer então? Uma revolução? Mas a que preço? Isso sem contar que os heróis revolucionários, com o gostinho viciante do poder, se tornam ditadores. A História está cheia de exemplos. Leis mais duras? Prisão perpétua para a corrupção e os crimes ecológicos? Ou pelo menos a cassação vitalícia de todos os direitos políticos para o político corrupto?  Claro que quem detém o poder não está interessado em honestidade nem em decência, mesmo porque o rabo preso incomoda e não permite nenhum movimento. A permissividade do gigantesco lupanar deve ser mantida a todo preço. Muito pelo contrário: quem detém o poder, tapa o sol com a peneira com, por exemplo, a gravidade judaico-cristã dos crimes sexuais. O crime sexual afeta um ou alguns indivíduos. O crime de corrupção afeta um país inteiro. E o crime ecológico afeta o Planeta todo. Nesta democracia capenga, falsa, hipócrita, nesta democracia de marafona abastada, resta ao brasileiro a revolta contra as injustiças, contra as instituições degradadas, bastardas, a contestação permanente, a desobediência civil, a paralisação do País. Os poderosos cedem quando a situação chega a ponto de atingir o bolso.

27-01-18