Shalom, Sefarad

Recentemente, o governo espanhol promulgou uma lei que concede a cidadania espanhola a todos os descendentes dos judeus ibéricos expulsos da Espanha em 1492. Uma maneira de reparar, cinco séculos depois, uma injustiça cometida contra os sefardins (sefarditas ou sefaraditas), ou seja, contra os judeus ibéricos. Antes tarde do que nunca.
Até 1492, a Espanha era o país com a maior comunidade judaica da Europa – e, talvez, do mundo. Coroando a chamada Reconquista, os Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, com a derrota e expulsão dos mouros – o último baluarte árabe foi o reino de Granada – e a unificação da península como Estado, promulgaram uma nova lei, fruto da intolerância e do fanatismo, que decretou a expulsão de todos os espanhóis que não fossem cristãos, a menos que eles (muçulmanos e judeus) se convertessem à religião dominante, o cristianismo.
Assim, calcula-se que entre 150 e 200 mil judeus estabelecidos em Sefarad (Espanha em hebraico) havia cerca de 1.400 anos (mil e quatrocentos anos!), tão espanhóis quanto os cristãos (os árabes chegaram à península ibérica sete séculos depois), integrados na cultura e sociedade hispânicas, tiveram que tomar o caminho do exílio. Esses sefardins, artesãos, comerciantes, professores, médicos, intelectuais (o filósofo e teólogo Maimônides foi um deles) e até ministros, foram forçados a renegar sua fé e a converter-se ao cristianismo ou a abandonar sua terra havia quase um milênio e meio. De nada adiantaram as súplicas do rabino Abravanel, ministro dos Reis Católicos, para que eles revogassem a nova lei e permitissem a permanência dos judeus em Sefarad. Fernando e Isabel se recusaram a revogar a lei, mas permitiram que Abravanel ficasse na Espanha. O ministro declinou o privilégio concedido pelo casal real e preferiu seguir seu povo no exílio.
Iniciou-se assim a diáspora dos sefardins. E os judeus espanhóis partiram para o exílio. Deixando para trás 1.400 anos de raízes, de referências, de cultura. Com tudo o que o desterro implica de ruptura, de doloroso, de trágico. Por que eles eram expulsos da própria pátria? Apenas porque eram judeus. E os sefardins partiram para sempre. Alguns tomaram o rumo de Portugal, de onde foram expulsos quatro anos depois, em 1496. Outros foram para o Magreb (Marrocos, Argélia e Tunísia) ou para o Egito. Outros foram para a Itália ou para a Holanda (país que sempre foi um exemplo de tolerância, terra do grande filosofo Baruch Spinoza, filho de sefardins). Mas a maioria foi para os países que formavam o Império Otomano, ou seja, para a antiga Iugoslávia, Bulgária, Grécia e Romênia, na época dominados pelos turcos, e até para a própria Turquia. Países para os quais levaram não só as tradições judaicas, mas as espanholas, como a língua, o ladino, o espanhol que se falava em Sefarad quando eles foram expulsos. O ladino, que alguns linguistas consideram espanhol arcaico (com elementos hebraicos), enquanto outros o consideram uma língua neolatina.
Hoje os judeus sefardins estão espalhados pelo mundo. O prêmio Nobel de Literatura de 1981, Elias Canetti, era búlgaro sefardim e a primeira língua que ele falou foi o ladino, com seus pais. No Brasil – que tem mais de 100 mil judeus (o país com mais judeus da América Latina é a Argentina, com 180 mil) – a maioria é esquenazi (ou ashkenazi), ou seja, judeus originários da Europa Central e Oriental. Alguns sefardins brasileiros são famosos, como Sílvio Santos (seu sobrenome é Abravanel), o pianista Arnaldo Cohen e o cineasta Jom Azulay, entre outros. Uma pequena dica: vale a pena ouvir as belíssimas canções judaico-espanholas, em ladino, de Fortuna, cantora paulista de origem judaica.
Uma curiosidade que muitos brasileiros desconhecem. Houve, no século XIX, uma imigração de judeus sefardins, provenientes do Marrocos (especificamente das cidades de Tânger e Tétouan), que se estabeleceram na Amazônia, onde podem ser encontradas famílias com sobrenomes como Benayon, Benchimol, Benzaken, Cohen, Ohana e outros.
Shalom, irmãos sefardins.
25-04-2014
R.Roldan-Roldan é escritor
http://www.davidhaize.wordpress.com
Publicado pelo jornal Correio Popular de Campinas/SP em 13 de maio de 2014

Uma resposta to “Shalom, Sefarad”

  1. Murilo André Says:

    Muito interessante a reportagem. Gostaria de deixar uma dica de leitura “A Mezuzá nos pés da Madona” de Trudy Alexi que resgata um pouco da história dos judeus sefarditas com um tom confessional e biográfico. Abraço fraternal.


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