Quando um Escritor Fica Cego

 

        Eu, R.Roldan-Roldan, ou David Haize, autor de Zirpiak, Última Fronteira e de mais 32 livros, estou ficando cego.

É terrível quando um escritor fica cego. Literalmente cego. Pois nunca fui cego no sentido figurado. Aliás, escritor cego no sentido figurado não pode ser considerado escritor. Sim, terrível, como aconteceu com Borges. Assim com é terrível um compositor ficar surdo, como aconteceu com Beethoven.

Acordar numa sexta-feira e perceber que o olho direito está totalmente cego. Não há visão. Apenas uma tela negra. Após o impacto kafkiano, a alma, sobressaltada, estremece, adoidada, sem saber para onde se virar. Pula de uma direção para outra. O consolo (ou desespero) da prece? A violência (ou racionalidade) do suicídio? Ou a serenidade do estoicismo? Calma, cara, não se afobe. Opte por enquanto pelo estoicismo. Afinal de contas, o outro olho, o olho esquerdo, está funcionando.

E de repente penso, com tristeza calma, que tenho que aproveitar o que a minha visão limitada ainda pode me oferecer. Não só a beleza de uma árvore. Ou o encanto de um jardim coalhado de flores. Ou o esplendor de uma praia deserta ao amanhecer. Ou a arte, pintura, escultura, arquitetura, teatro, cinema. Não. Ocorre-me que quero para meus olhos o banal, o trivial, o dia a dia, a minha rua, os conhecidos de vista cujo nome desconheço e, claro, o rosto das pessoas que amo.

Mas, e a leitura? A paixão pela leitura? Ouvir um livro não é a mesma coisa que lê-lo. E o cinema? A paixão pelo cinema? Escrever, posso escrever, digitando diretamente no computador. Mas ler?

Respiro fundo, com estoicismo. Não, ainda não avisei meus filhos, nem meus amigos. Vou marcar consultas com oftalmologistas e neurologistas. Mas primeiro vou tomar meu café da manhã. Gosto tanto dessa refeição matinal. Café com leite, pão e manteiga, geleia, mel e queijo. E agradeço por ainda estar comendo minha refeição matutina. E elevo meu pensamento. Em silêncio e sem lágrimas. Vou continuar a escrever, aconteça o que acontecer.

Em tempo e como curiosidade. Muitos dos meus amigos, quando leram meu post no Facebook, acharam que se tratava de um personagem do meu último romance, Zirpiak, Última Fronteira, e não do autor dessa obra. Ironia. Mas isso não me entristeceu. Ao contrário, me fez sorrir. Ao longo de minha existência brinquei tanto de misturar minha vida com a dos meus personagens e vice-versa…

30-11-17