O Brasil nas Trevas

outubro 20, 2017

O Brasil nas Trevas

 

É com perplexidade (que outro termo poderia usar para definir essa tristeza, desencanto e sentimento de impotência?) que constato a degradação política, social, moral, ética e intelectual do Brasil. Como qualificar uma tendência totalitária no setor social? Como definir as regras de flexibilização da fiscalização do trabalho escravo? Onde encaixar um sistema onde a selvageria da economia subordina o bem-estar social ao poder do dinheiro? Como aceitar a visão unilateral de mundo dos famigerados economistas trancafiados numa alienação total dos mais elementares valores da humanidade? Como admitir um retrocesso tanto da classe política como da sociedade? Como se não bastasse a desigualdade social, por que voltar ao obscurantismo da Idade Média? Sim, a perplexidade nos leva a fazer mais perguntas do que encontrar respostas. Não, não vou citar nem Nietzsche nem Chomsky. Para quê?

Deixando de lado a corrupção dos políticos – e frisemos que a corrupção não grassa só entre a classe política, já que é algo totalmente inserido na cultura brasileira, assim como, por exemplo, a violência é inerente à cultura norte-americana – da qual o povo está finalmente tomando consciência, e sem partidarismo, pois todo partido é corrupto, foquemos um aspecto que abala os fracos alicerces da nossa democracia. Digo fracos porque o Brasil sempre foi pusilânime em suas conquistas sociais – lembremos de que fomos os últimos das três Américas a abolir a escravidão.

Toda democracia que se preze é laica. Ainda mais em nossa época em que não existe mais o conceito de nação igual a religião. Logo, o ensino religioso nas escolas públicas é um flagrante atentado contra os valores democráticos do País e fere a Constituição. Quem vai ensinar religião? Um padre? Um pastor? Um rabino? Um mulá? Um bonzo? Colocar o ensino religioso nas mãos de um clérigo, seja qual for a crença, é o primeiro passo para a negação do pluralismo no ensino. E isso é absolutamente inadmissível. A criança tem de crescer com moral e ética e não com conceitos duvidosos que restrinjam sua liberdade de pensamento. O ser humano tem de ser educado para se tornar um ser livre e pensante e se permitir duvidar, que é a antítese da ignorância. E se alguém alegar que o ser humano precisar do sagrado para se sentir protegido, ensinem à criança que a água sem a qual não há vida, o fogo do sol sem o qual não há vida, o ar sem o qual não há vida e a terra que nos alimenta são sagrados e nos protegem. Isso sem mencionar que a criança deveria aprender ética, antropologia e sociologia para não ser manipulada uma vez adulta. Isso sem mencionar que a criança deve ser ensinada a usar a Razão – sim, com maiúscula – que leva à espiritualidade.

E por falar em restrições à liberdade de pensamento, abordemos outra aberração digna dos mais exímios filisteus, dos mais fervorosos fariseus. Refiro-me à censura. E a censura à arte é intolerável. A arte, por ser arte, não tem que dar satisfação a ninguém e menos ainda aos fanáticos religiosos, aos reprimidos e aos essencialmente hipócritas. Demos um desconto a uma certa mistificação da arte. Hoje em dia qualquer um é artista, ou escritor, ou músico. E não é por aí. Mas não nos esqueçamos de que a arte não tem de ser necessariamente comportada e bonitinha, bem ao gosto médio. Se a arte está associada à estética, ela também é contestação, subversão e transgressão. E não vou citar o Manifesto do Surrealismo, de 1924, de Breton, para justificar o que estou dizendo. A censura é um modo de reprimir, de castrar o impulso do criador, e, portanto, é intolerável. Os fariseus (bis), e os filisteus (bis) ainda se espantam, em pleno século XXI, com um homem nu ou uma mulher nua, como se a nudez fosse vergonhosa. Se determinados cidadãos não estão de acordo com determinadas manifestação artísticas (e contestatórias), eles que fiquem em casa e respeitem os outros em vez de promover distúrbios nas exposições. Céus, que petulância! Que agressividade! Por sinal, a censura na exposição “Histórias da Sexualidade”, do Masp de São Paulo (o mais importante museu de arte da América Latina), é um triste exemplo de intolerância e imbecilidade. Um verdadeiro absurdo, levando em consideração que o Masp nunca estabeleceu censura em seus 70 anos de existência – foi fundado em 1947.  É curioso que justamente esses cidadãos que bradam pela moral e os bons costumes, engolem pacificamente todo o perverso lixo soft-core que lhes é impingido pela TV. E, diga-se de passagem, que a TV invade as casas.

Sim. É profundamente lamentável só vermos retrocesso, hipocrisia e intolerância – em todas as áreas – do País. O Brasil já foi mais justo socialmente falando. Mais tolerante. Mais democrático. Que o bom Deus – ou a Razão – nos livre da imbecilização em massa.

19-10-17