A Idosa e o Adolescente Deficiente Físico

 

          Estou confusa. Não sei o que fazer. Se devo continuar fazendo o que já fiz ou se devo parar. Estranha é a vida. Sim, estranha e surpreendente. E nada previsível. Quem iria me dizer. Eu, uma octogenária, metida numa coisa inconcebível, pelo menos para mim. E sem conseguir chegar a um consenso comigo mesma. Talvez toda essa confusão seja derivada de um condicionamento social, cultural. Social ou cultural? Acho que as duas coisas estão entrelaçadas. Gozado, eu estava tão tranquila, tão serena. Depois da morte do meu marido, há três anos, tive um período de depressão. É normal, já que é muito duro perder o companheiro de toda uma vida. Uma vida muito feliz em todos os sentidos, pois nos entendíamos muito bem e tivemos uma vida sexual ativa até pouco antes da morte dele. Reagi para não afundar. Yoga. Cursos de pintura e desenho. Muita leitura. Cinema. Passeios. A ferida foi se fechando. E fui tocando a vida, em paz. Sem pensar na morte dele nem na minha. Até que a coisa aconteceu. A coisa mais inesperada do mundo.

Sou um homem feliz. Nunca pensei que isso iria acontecer, mas aconteceu. Foda-se o mundo: estou feliz mesmo, como nunca anteriormente estive. Tenho tudo a ganhar. Aliás, por que não teria eu tudo a ganhar? Gozada, a vida. As coisas acontecem quando menos se espera. Claro, às vezes a gente tem de dar um empurrãozinho no destino. Mas nem tudo é feito pelo destino. A gente tem que ajudar – ou provocar – o destino. A gente tem de criar coragem e ousar. Eu posso ter só 16 anos, mas acho que sou mais maduro que a média dos jovens de minha idade. Talvez seja pela minha própria deficiência física e porque leio muito.

– Menino, o que é isso? O que você pensa que eu sou? Sou uma idosa respeitável.

– Dona Lourdes, a senhora é a mulher que eu amo.

– Mas Marcos, isso é um absurdo. Eu poderia ser sua avó.

– O amor não tem idade.

– Não é bem assim. O amor tem idade, sim.

– Se a senhora me acha feio e mesmo repulsivo como deficiente físico, fale e eu não insisto. Mas sou um homem, dona Lourdes. Um homem que quer amar e ser amado.

Sim, fiquei atônita com a declaração de amor. Como iria eu esperar que um adolescente se apaixonasse por mim, uma velha? E, perante mim mesma, como ficava a imagem de uma velha libidinosa, safada, obscena? A velha dama indigna. A viúva sem-vergonha. Tão tarada que apela até para um adolescente deficiente físico. Mas a confissão do rapaz mexeu profundamente comigo. Foi como se… Lourdes, ouse falar o que você está sentido. Não se reprima. Bem, suas palavras despertaram a mulher em mim. Sim, a mulher. Ou devo dizer a fêmea? Para dizer a verdade, todas as minhas ocupações para preencher o tempo e afastar o estado depressivo, nada mais eram do que tentativas de mascarar a solidão. Aos 81 anos, não se pode esperar muito da existência, mesmo porque as ilusões são minguadas. A solidão aperta com a morte de amigos de longa data que frequentávamos regularmente. Os meses passam sem uma única visita. Apenas um ou outro telefonema inquirindo sobre a saúde. E… Bem, ele me olhava com olhos esquisitos. Sentia muita compaixão por esse rapaz que mora com os pais no andar de cima e com quem cruzo, de vez em quando, no elevador. Um dia convidei-o a tomar lanche em casa, à tarde – claro que sem segundas intenções. Sei lá, eu o achava muito solitário. Ou seria eu que andava muito solitária?

Nunca comi uma garota. Só uma puta que me meu pai me arrumou. Pedi a ele. E ele foi legal e me arrumou uma. Foi uma foda meio sem graça. Mas eu, como todo rapaz, queria muito ter uma namorada. Na escola, me apaixonei por uma colega – e acho que eu não lhe era indiferente – mas meu complexo por causa da deficiência acabou por reprimir meu amor. Só não reprimiu a masturbação. Era punheta atrás de punheta. E… Bem, a dona Lourdes era tão doce. Uma velha tão bonita. E tão solitária. E quando me convidou para um lanche à tarde, eu, faminto de amor, interpretei como um convite para… como um passo para algo mais… E passei a fantasiar sexo com ela. E a me masturbar pensando nela.

Por que não haveria de fazer amor com ele? Por que deveria eu reprimir esse desejo que, a verdade seja dita, me assustava? Eu não estava fazendo nada errado. Eu era viúva e ele solteiro. E então, Lourdes? Então que eu achava esquisito uma velha de 81 anos ter uma aventura, ou mesmo um caso, com um garoto deficiente físico de 16 anos. Um menor de idade ainda por cima. Por outro lado, achava maravilhoso eu sentir desejo como uma jovem. O despertar do desejo soterrado havia muito tempo. Por sinal, o tempo… O tempo era outro fator que me empurrava para os braços do garoto. Quanto tempo tinha eu de vida? Quanto tempo antes de eu desaparecer? Sim, não menosprezemos o tempo que varre tudo, que anula tudo. Logo, eu não tinha nada a perder. E decidi que juntaríamos nossos corpos pouco atraentes. Mas o amor está acima da aparência física. Ou não?

Foi no quarto dela. No fim da tarde. Ela se trocou no banheiro, de onde saiu de camisola. Eu já fiquei pelado de cara, com a ferramenta pronta, mais dura do que as muletas.

– Por que a senhora se trocou no banheiro?

– Porque não quero que você veja minhas pelancas.

– Mas meu corpo não é nada bonito. Meus quadris, minha bunda e minhas pernas parecem de criança. Mas a ferramenta é de homem, como a senhora pode ver.

– Você é um rapaz muito bonito.

– Sou mesmo, dona Lourdes? Nunca me falaram isso. A senhora é a primeira mulher a gostar de mim. Estou emocionado. Ame-me, dona Lourdes, ame-me.

E meus olhos marejaram. E seus olhos marejaram.

03-09-19