O Escritor R. Roldan-Roldan É Entrevistado Pelo Prof. J. Campos

Autor de romances, contos, poesia, peças de teatro e artigos publicados em blogs e jornais, Roldan-Roldan está, atualmente, reeditando seus livros no formato de e-books, através da Amazon. Seus livros são marcados por uma essência surrealista, além de trazerem elementos irônicos, filosóficos e humanistas. Importante em sua obra, o enfoque dado ao sexo, segundo ele, remete à celebração da vida, em oposição à morte. Através desta entrevista, podemos conhecer um pouco mais deste escritor talentoso de quem sou fã. Ele escreve desde criança. Uma criança que nasceu na Espanha, cresceu no Marrocos e radicou-se no Brasil.

J. Campos. O sexo é constantemente enfocado em sua obra. Entretanto, ele é tratado dentro de um contexto bastante humanista. Pode até chocar o leitor menos atento, mas não é pornográfico. Como o sexo e a sexualidade influenciam a sua obra?
R. Roldan-Roldan O sexo na minha obra – e na minha vida – é uma celebração da vida em oposição à morte. Ou seja, Eros e Tânatos. É o motor do mundo. E quem me acha pornográfico é hipócrita ou travado pela educação ou pela religião. O sexo deve ser considerado tão natural quanto comer ou dormir. O conceito judaico-cristão-islâmico do sexo é uma aberração que se opõe às leis sagradas da natureza. Portanto, a abstinência sexual é a pior das aberrações sexuais
J. Campos. Roldan-Roldan nasceu na Espanha, cresceu no Marrocos e radicou-se no Brasil, além de ter visitado muitos outros países ao longo da carreira. A questão da identidade permeia a sua obra. Trata-se de um estilo ou uma marca profunda adquirida/sofrida através dos diferentes solos em que pisou?
R. Roldan-Roldan Trata-se de uma marca indelével que marcou a minha existência, logo, a minha obra. E isso devido à minha trajetória de vida. Sou de origem espanhola, de cultura francesa e vivi até os 19 anos num país árabe, islâmico. A sensação de não pertencer a nada e a tudo simultaneamente chega a ser angustiante.
J. Campos. Já que falamos em identidade, a questão do exílio também é bastante recorrente. As condições que levaram você e a sua família a viverem no Marrocos contribuíram de que forma para deixarem essa marca? Hoje você se sente um exilado? Em que país gostaria de estar?
R. Roldan-Roldan Sim, o exílio é recorrente em minha obra. Pois o exílio e a condição de refugiado apátrida marcaram a minha vida e, claro, não poderiam deixar de se refletir em minha obra. Minha pátria agora é a língua portuguesa, como dizia Pessoa. Cabe salientar que, na maioria das vezes em que falo de exílio, me refiro ao constante deslocamento de sentir que não me identifico com o que me cerca. Ou seja, é uma questão de valores e não de país.

J. Campos A sua poesia fala constantemente de silêncio: “(…) venho de longe/espaço sem identidade/tempo sem memória/de despojamento silente e referências mortas/agora empossado/transpassado pelo silvo da solidão/fio de algodão/da lembrança ancestral/fiando fiando fiando/em rocas de séculos acumulados/as filigranas da alma/tecendo tecendo tecendo/no que restou do tear do silêncio/no côncavo telúrico do pensamento/recolhido no segredo de não-ser/quieto de estrondos mal vividos/no que resta de mentira/como ilusão da própria vida/venho e nunca chego/quem quer meu silêncio” (Balada do Poeta Errante). É lá no silêncio que encontra inspiração ou a sua própria vida está mergulhada no silêncio? Qual é a beleza e o tormento do silêncio?
R. Roldan-Roldan Não há tormento no silêncio. Pode existir tormento no mutismo, que é outra coisa. Ou seja, o mutismo decorrente da incomunicabilidade. Mas o silêncio, o que eu chamo de silêncio, é algo majestoso, imponente, esplendido. Algo que energiza. Que ajuda a refletir. Que recompõe o diálogo do eu com a alma. É no silêncio que aprendemos a crescer como seres humanos. É no silêncio que atingimos outra dimensão. É no silêncio que vislumbramos o que o ruído nos oculta. É no silêncio que ousamos reconhecer os nossos erros e as mentiras com as quais disfarçamos as nossas mais profundas verdades. É no silêncio que aprendemos a pensar. Mas, de modo geral, as pessoas têm medo do silêncio porque ele é um espelho que reflete o âmago de cada um.
J. Campos Os personagens marginalizados (deficientes, minorias, etc…) estão muito presentes em sua literatura. Trata-se de uma visão politicamente correta, um estilo ou uma conscientização/percepção mais profunda acerca do ser humano?
R. Roldan-Roldan Tenho, desde criança, uma profunda compaixão pelos deficientes físicos e mentais e por todas as minorias (raciais, étnicas, religiosas, sexuais ou políticas). Não, não se trata de uma visão politicamente correta, mesmo porque o politicamente correto chega a ser cretino em alguns casos. Trata-se de amor. Sim, de amor por aquele que é marginalizado. Em última instância, de amor ao próximo.
J. Campos A sua literatura é, às vezes, panfletária, por assim dizer. Pode ser considerada engajada? Lembremos que o termo panfletário, algumas vezes, pode carregar uma conotação negativa.
R. Roldan-Roldan Não considero a minha literatura engajada, no sentido que se dá à literatura de certos autores como Sartre ou Brecht. Eu diria que estou mais perto de Saramago. Mas costumo pôr na boca de meus personagens toda a revolta que sinto perante as injustiças deste mundo. Não faço discurso, mesmo porque o discurso numa obra pode se tornar muito enfadonho. Apenas grito em voz alta pela voz dos meus personagens. Não sei se isso é ser panfletário. Uma coisa é certa: eu não fico em cima do muro, eu me posiciono e digo abertamente o que penso. Eu acho algo lamentável os escritores alienados, por melhores que sejam.

J. Campos Segundo as suas próprias declarações, você se define como um escritor obsessivo, compulsivo, orgânico, visceral. Em termos práticos, o que isso significa? Qual o papel da literatura na sua vida?
R. Roldan-Roldan Sim, sou obsessivo no sentido que estou o tempo todo pensando em literatura. Compulsivo porque preciso estar constantemente escrevendo. Orgânico porque sou essencialmente natural. E visceral porque sou instintivo e porque costumo escrever com as vísceras – já falaram que escrevo com o pênis. Não sou em absoluto um exemplo para outros autores. Não prego nada. Não procuro seguidores. Não sou guru. Apenas sou assim. O papel da literatura na minha vida é fundamental. A minha vida gira em torno da literatura.
J. Campos Você também se define como um animal literário e se diz um escritor maldito. Explique-se.
R. Roldan-Roldan Sou um animal literário porque ajo instintivamente quando escrevo, como um animal – embora um animal não escreva, mas sinta intensamente. Quanto a escritor maldito, como poderia eu me definir se depois de 30 livros escritos e 26 publicados fisicamente continuo no limbo em meio a tanta mediocridade? Como explicar essa marginalidade? Porque não sou comercial? Porque não me afilio a nada? Porque os “inteligentes” não conseguem me rotular? Talvez pelo fato de ser “maldito” tenha esse fascínio pelos grandes escritores malditos como Rimbaud, Baudelaire, Lautréamont, Villon, Genet. Eles são superiores, intelectualmente, aos autores “oficiais”, porque eles ousam. E ousar é um sinal de inteligência. Exatamente como duvidar.
J. Campos Dentro do que foi dito anteriormente, você considera a literatura – e por extensão a arte – maior que a vida.
R. Roldan-Roldan Sim, de certo modo, a literatura e a arte em geral são maiores que a vida. Por um motivo muito simples e óbvio: a vida acaba, mas a arte não. A verdadeira arte não morre. Evidentemente não menosprezo a vida, mesmo porque amo o ser humano. E, diga-se de passagem, porque sou tremendamente hedonista.
J. Campos Através de seus artigos publicados no jornal “Correio Popular” de Campinas, percebemos que você adota posicionamentos bastante críticos e inflamados sobre alguns assuntos de nossa atualidade. Não se pode classificá-lo como radical, entretanto a que se deve esse tipo de postura ou intensidade?
R. Roldan-Roldan Não sou pusilânime nem frouxo e digo e escrevo o que penso em meus artigos de cunho político-social. Sei que incomodo muita gente, mesmo porque o Brasil é um país extremamente conservador, um país onde as instituições fedem a múmias. Não tenho por que contemporizar quando emito minhas opiniões, que não são nada ortodoxas. Sou a favor de um Estado progressista, como o Uruguai, que é um exemplo para as três Américas.

J. Campos Já que falamos em posicionamentos críticos e inflamados, como se posiciona em relação aos seguintes assuntos: discriminação racial, Comissão da Verdade, Lei da Anistia, a liberdade de expressão e o atentado ao jornal satírico “Charlie Hebdo”?
R. Roldan-Roldan O que nós temos no Brasil é mais discriminação social (uma das piores do mundo) do que racial. A nossa discriminação social se deve à desigualdade social que é a que gera violência. Um cidadão é aceito em determinadas faixas sociais pela sua conta no banco independentemente da cor de sua pele. Os negros continuam pertencendo às classes menos favorecidas e isso os discrimina mais do que o fato de serem negros. Quanto à Comissão da Verdade, ela deveria ter sido mais contundente, mais agressiva e apelar para organizações como a OEA e a ONU no sentido de chamar a atenção para o fato de os torturadores e assassinos continuarem livres como cidadãos honestos. A ditadura foi uma usurpação do poder, uma violação dos direitos humanos, uma violação do poder estabelecido democraticamente. Em suma, a tomada de poder pelos militares foi puro banditismo. É algo absolutamente inaceitável, intolerável. Um ato típico dos países atrasados que não têm tradição democrática. E, diga-se de passagem, que os chamados terroristas, eram homens e mulheres que lutavam contra a ilegalidade, contra a ilegitimidade de um regime totalitário que se apoderou simplesmente do poder pela força. Logo, os verdadeiros terroristas são aqueles que deram o golpe de Estado. E, para finalizar, o caso do jornal “Charlie Heddo”. Achei muito estranho – para não dizer inadmissível – que no Brasil condenaram o atentado, mas invocaram o respeito pela religião. Penso que a liberdade de expressão vem antes de tudo. O “Charlie Heddo” é um exemplo de liberdade e é bastante significativo que seja um jornal da França, país que é um exemplo em termos de laicidade. Os mitos não são sagrados. Nenhum mito é sagrado. Nem Maomé, nem Cristo, nem Moisés, nem Buda. A única coisa sagrada é a vida humana. O resto é puro fanatismo religioso. O homem superior se atém à Razão, à Liberdade, à ética e à espiritualidade laica. O homem superior prescinde de religião e de mitos. Não precisa de muletas arcaicas para se elevar espiritualmente. Por sinal, desconfiemos daqueles que não têm humor, daqueles que não sabem rir, pois, via de regra, são fascistas.
J. Campos Quais são os seus próximos projetos literários? Está trabalhando em algo novo?
R. Roldan-Roldan Estou escrevendo um romance de estrada que transcorre simultaneamente em três tempos. E pretendo parar por aqui. Há décadas que luto para ser reconhecido e continuo esperando. Dizem que o verdadeiro artista não desiste. Mas eu estou envelhecendo e estou perdendo o pique para tanta lida. É algo bastante melancólico encerrar uma carreira literária desse modo.
Janeiro de 2015