Falência do Neoliberalismo

 

         A crise econômica – com os consequentes desdobramentos sociais – dos EUA e da União Europeia, a derrota de Merkel e Sarkozy e a violência na Grécia são provas irrefutáveis da falência do neoliberalismo e, por extensão, do próprio capitalismo. Algo novo deve surgir. Em que pese à paranoia da direita em relação ao marxismo ou mesmo ao socialismo, que a ignorância ou má fé dos conservadores associa ao stalinismo e maoísmo.

O capitalismo neoliberal é sinônimo de desigualdade social (portanto de miséria), de corrupção, de exploração selvagem dos recursos dos países pobres, de desumanização. É um lixo moral que aboliu toda e qualquer ética em nome do lucro. É uma aberração que implantou o fascismo do consumismo, com o lema latente de: seja ignorante, consuma, cale a boca e aliene-se. E essa perversidade insidiosa, devidamente camuflada, que restringe a liberdade individual do cidadão tem o topete de se outorgar a denominação de democracia.

Em nome dessa democracia – ou seja, do acumulo de poder e riqueza por determinadas faixas sociais – e sob o mote de defensores da liberdade e dos valores democráticos – os EUA provocaram a guerra Hispano-Americana para invadir Cuba, Porto Rico (que foi anexado), Filipinas e a ilha de Guam (que foi anexada), no Pacífico. E que invadiram a República Dominicana em 1965 e o Panamá em 1989. Sem contar a invasão do Vietnã. E, mais recentemente, invadiram o Afeganistão (cuja guerra já custou 100 bilhões de dólares) e o Iraque. Foi em nome dessa democracia que os EUA implantaram, entre as décadas de 1960 e 1980, as ditaduras na América Latina. E foi em nome da defesa dessa democracia que os EUA cometeram o genocídio de Hiroshima e Nagasaki, pelo qual até agora não pediram desculpas ao Japão. E foi em nome dessa democracia que os franceses se apoderaram da metade da África. E foi em nome dessa democracia que a Grã-Bretanha se apossou de boa parte da África, da Índia, do Paquistão e que promoveu a Guerra do Ópio na China. Como vemos, esse tipo de democracia é puro imperialismo. E certamente não tem como objetivo o bem-estar da humanidade.

E é graças ao neoliberalismo e à pseudomocracia que mais da metade da população da Terra vive abaixo da linha da pobreza e que mais de um bilhão de pessoas sobre de fome crônica, considerando-se que mais de dois terços da humanidade não têm uma vida digna. A implantação do horror da competição (que é o câncer da ética), da concorrência, da especulação, do consumismo desenfreado e a substituição da soberania das nações pelo poder totalitário das grandes corporações (em especial os bancos), enfim a essência do absolutismo neoliberal é uma via sem saída que se esgota em sua própria saturação.

Em suma, a verdadeira democracia nada tem a ver com o neoliberalismo. A perversidade do sistema neoliberal certamente não promove a dignidade humana. Nem a paz e harmonia entre os homens. Muito pelo contrário, manipula, tritura a avilta o ser humano, transformando-o num títere a serviço de seus interesses.

20-05-2012

R.Roldan-Roldan é escritor

www.davidhaize.wordpress.com

Publicado pelo jornal Correio Popular de Campinas a 6 de junho de 2012

 

Miséria Cultural

junho 17, 2012

Miséria Cultural

 

 

O achatamento cultural em tempos de pragmatismo neoliberal é um fato consumado, inegável em todo o mundo. E no Brasil se acentua. O gosto médio, em termos de arte em geral, declina vertiginosamente. Não só entre o grande público. Mas entre as chamadas elites intelectuais e entre a crítica. Essa tendência abrange desde a literatura até o cinema, passando pelo teatro, pela música e pelas artes visuais. Uma análise dessa decadência certamente apontaria como fatores responsáveis, não só a era da imagem, que reduz toda atividade intelectual a um grau próximo da imbecilidade, mas a boçalidade do neoliberalismo em relação à arte, assim como o descaso do governo com a educação num país que se gaba de ser a quinta potência econômica do mundo e que ostenta um dos piores níveis educacionais do Planeta.

Um exemplo do que acabo de expor encontra-se numa pesquisa da revista Monet, da TV a cabo Net, do mês de abril. A publicação apresenta uma lista que “não saiu da cabeça de críticos, jornalistas ou cineastas. Democraticamente, foram milhares de leitores de Monet que escolheram os longas-metragens que marcaram suas vidas por meio de uma enquete”, diz, textualmente, a revista. E assim surgiram os cem melhores filmes supostamente de todos os tempos. A relação é uma piada. Não só para um cinéfilo de carteirinha. Mas para qualquer pessoa que goste de bom cinema. Certo, admitamos que se trata de uma escolha “popular”. Entre aspas mesmo, já que não é tão popular assim, pois é uma determinada classe social – que não é povão – com acesso à TV paga que votou nos “melhores”.

Para início de conversa, não há nenhum filme asiático, com tantas obras-primas da Índia, China e, principalmente, do Japão. Com exceção de dois filmes brasileiros (Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Tropa de Elite 2, de José Padilha), não consta nenhum filme latino-americano de países, com importantes cinematografias, como a Argentina, o México e Cuba. Nenhum filme do Canadá, nem sequer de Denys Arcand. Da Europa há dez filmes. Mas nada de Bergman, Buñuel, Visconti (cujo O Leopardo é um dos melhores filmes de toda a história do cinema), Antonioni, Zurlini, Pasolini, Scola, Montaldo, Pontecorvo, Resnais, Saura, Tarkovki, Herzog, Angelopoulos, Manoel de Oliveira, Lars von Trier  e tantos outros grandes cineastas. Apenas um Fellini (Amacord) e um Almodóvar (Volver).

Ou seja, praticamente 90% da lista são filmes norte-americanos. Só que dessas 90 obras não há uma única do bom cinema independente (fora de Hollywood) dos EUA. Os longas selecionados ou são produtos edulcorados, pasteurizados, com todo o corretamente político devidamente mastigado para não incomodar a flacidez da classe média, ou são apenas e tão somente efeitos especiais para impressionar retardados mentais, como as séries de Guerra nas Estrelas, Kill Bill, Matrix, Batman e companhia. Todos eles com a devida dose de violência que exige o mercado. Alguns escolhidos são nitidamente medíocres ou francamente ruins, tais como o rebuscado Cisne Negro, o pretensioso A Origem ou o popularesco Quem Quer Ser um Milionário?.

E, para finalizar, também no campo da sétima arte, algo que ilustra a famigerada cultura atual. O excelente Shame, de Steve McQueen (homônimo do astro norte-americano), que até agora é o melhor filme do ano exibido em Campinas, ficou apenas uma semana no shopping D. Pedro. O filme, que, aliás, deveria ter sido exibido no Topázio do shopping Parque Prado, é de pasmar. Com ecos da angústia existencial de Bergman e da incomunicabilidade de Antonioni, mas com linguagem e narrativa modernas, o filme parte do individual para atingir o coletivo. Assim, focando a angústia de um obcecado por sexo, acaba retratando o desencanto, a deliquescência, a perplexidade, o absurdo e a falta de rumo da sociedade urbana atual. Sociedade onde o prazer sexual, o prazer pelo prazer, compulsivo e sem amanhã, tenta preencher a vertigem do vazio. E essa joia cinematográfica – que não é difícil nem experimental – passou quase em brancas nuvens, despercebida, sem público. Uma pena. Talvez seja exigir muito que as pessoas, hoje em dia, gostem de algo similar. Algo que não vem previamente digerido para não pensar. Shame subjuga. Sem fazer concessões.

18-04-2012

R.Roldan-Roldan é escritor

www.davidhaize.wordpress.com

Publicado no jornal Correio Popular de Campinas a 1° de maio de 2012

Prefácio

junho 2, 2012

Parte de
JUIZ CASADO COM FILHOS PROCURA HOMEM PARA SEXO CASUAL
(CONTOS)

Prefácio

         Roldan-Roldan se reinventa e surpreende a cada novo livro. Depois do espanto estético do romance experimental Matriochka e do despojamento dos belos poemas de O Deslizar das Horas, ele volta aos contos. Quarto livro de contos,  Juiz, Casado, com Filhos, Procura Homem para Sexo Casual segue-se à trilogia Carta de Uma Mulher Separada (contos realistas), Kabul, Antes, Depois (contos fantásticos) e Ao Sul do Desejo (contos eróticos).

Há livros que seduzem pela coesão formal e temática, formando um todo compacto de coerência estética e dramática. Juiz, Casado, com Filhos… é um deles. São relatos que fluem saborosamente, concisos e exatos, sem descrições desnecessárias, sem altos nem baixos, num registro que vai do cômico ao dramático, do patético ao sarcástico, e que se encadeiam harmoniosamente, como se fossem capítulos de um romance  episódico (aliás, em três deles há interreferências), compondo um rico painel da sociedade urbana e, por extensão, da condição humana. Assim, desfilam perante os olhos do leitor o amor, o desejo, a solidão, o tempo, e a urgência de viver intensamente antes que a morte chegue.

Como contos tão diferentes entre si podem formar um bloco tão coeso? Simplesmente porque a unidade da obra reside no estilo, que acaba se tornando um elo entre as diversas narrativas. Os sete contos, narrados em primeira pessoa, logo, em tom confessional, têm em comum o monólogo interior, por assim dizer, monólogo que recua na memória para traçar o perfil dos personagens. E é por meio de uma linguagem informal, às vezes chula, que penetramos no mundo desses personagens que, embora de carne e osso, não vivem situações propriamente corriqueiras.  Personagens característicos do autor, esses seres vivem no limite da margem – e a marginalidade não significa necessariamente criminalidade –, mesmo porque determinadas margens estão muito próximas da “normalidade” ou da integração. Alguns deles são (ou estão) marginalizados, com o pintor de Maitezaitut…, o músico de  Sax e,  até um certo ponto, o escritor de Pau na Horizontal, assim como a garota de Pai, Quero Ser Mãe. Outros, embora bem encaixados no sistema, logo, não marginalizados, não deixam de viver situações à margem dos padrões vigentes de comportamento, situações não aceitas pelo modelo convencional de moral da sociedade burguesa, como é o caso da idosa de Vó, Teu Amante É Gostoso?, do juiz de Juiz, Casado, com Filhos… e do marido polígamo de Comida Caseira. Essas situações “anormais” dos personagens – outro traço que sublinha a unidade e coesão da obra – vão do incesto à prostituição masculina, passando pelo adultério e pela poligamia. Situações que podem ser hilárias, como em Vó, Teu Amante É Gostoso? e principalmente em Comida Caseira (com ecos de Maupassant), onde acaba se inserindo uma fina ironia em relação aos valores da classe média – aliás, classe cuja hipocrisia é aberta e sarcasticamente criticada em Juiz, Casado, com Filhos… Situações que também podem ser constrangedoras, como em Pai, Quero Ser Mãe, o conto mais ousado e perturbador – porém o mais delicado – do livro, ou profundamente melancólicas e desencantadas, como em Sax.

E, para finalizar, mais um elo entre os sete contos: o prazer. Não só o prazer sexual que praticamente todos os personagens buscam como afirmação da existência e forma, consciente ou inconsciente, de afastar a morte, mas o prazer que todos eles, de um modo ou de outro, proporcionam ao leitor. Pode-se discordar da visão de mundo, do universo abordado e descrito pelo autor de maneira incômoda e impertinente. Como pode-se não aceitar a crueza da linguagem a serviço do ceticismo, do hedonismo, do existencialismo do escritor. Mas o livro está todo impregnado de um humanismo, de uma generosidade (como não se contagiar pelo amor que o contista sente por suas criaturas?) e de uma fluência estilística que tornam a obra exemplar.

Pierre-Auguste Lanord
Jornalista e escritor